Todo trabalhador tem o direito e espera que, ao sair para o trabalho, retorne com segurança para o seu lar, para sua família. Contudo, a realidade da segurança ocupacional no Brasil mostra que esse retorno nem sempre ocorre, faltam ações concretas ou cumprimento rigoroso das normas que garantam a vida e integridade dos profissionais. E é exatamente aqui que entra a urgência da prevenção de acidentes de trabalho: não se trata de mera burocracia ou custo adicional, mas de salvaguardar vidas.
Casos recentes no país reforçam esse alerta. Em São Paulo, por exemplo, um homem de 48 anos que trabalhava na aplicação de película de vidro numa cobertura de edifício no bairro do Jabaquara, zona sul da capital, ficou pendurado na corda de segurança quando o vidro estourou e, consequentemente, caiu ao chão após possível falha do sistema de ancoragem.

Em outro episódio, em outubro de 2023, nove trabalhadores ficaram pendurados a cerca de 140 metros de altura em uma estrutura metálica no topo de um prédio em construção no bairro da Chácara Santo Antônio, na zona sul de São Paulo.

Esses episódios chocam, mas devem servir, sobretudo, como alerta e motivação para que as empresas, os colaboradores e os gestores de segurança internalizem que a prevenção de acidentes de trabalho não é opcional. É imprescindível.
O panorama nacional
A magnitude da situação exige atenção. De acordo com o Anuário Brasileiro de Proteção 2025, que apresenta os dados consolidados de 2023, o Brasil registrou 732.751 acidentes de trabalho com afastamento, um aumento de 11,8% em relação ao período anterior. Apesar da leve redução no número de óbitos, 2.783 mortes em 2023, o fato de as ocorrências totais terem crescido revela que a prevenção de acidentes de trabalho ainda está longe de alcançar a eficácia necessária.
Entre os setores mais afetados estão a construção civil, o transporte e a saúde, atividades que envolvem riscos constantes e exigem cumprimento rigoroso das normas de segurança, como a NR 35, voltada ao trabalho em altura.
Por que a prevenção de acidentes de trabalho ainda falha?
Há vários fatores que contribuem para que a prevenção de acidentes de trabalho não se consolide plenamente nas organizações:
- Desconhecimento ou descumprimento das normas técnicas: Por exemplo, a norma NR 35, que trata de trabalho em altura, não é seguida à risca em muitas oportunidades, seja pela ausência de treinamento adequado, seja por negligência da empresa ou do colaborador.
- Cultura de segurança deficiente: Quando a empresa trata segurança como “mais um custo” e não como valor estratégico, os riscos permanecem elevados. Colaboradores que não são engajados ou treinados também têm menor capacidade de prevenção.
- Equipamentos de proteção individual inadequados ou mal aplicados: O uso inadequado de EPIs e a má aplicação de sistemas de proteção coletiva comprometem diretamente a segurança no trabalho em altura. Falhas como ancoragens mal dimensionadas, cordas de segurança fora das especificações e estruturas instáveis indicam que as barreiras de proteção não estão cumprindo sua função preventiva.
- Falta de manutenção contínua e inspeções regulares: Equipamentos e estruturas que suportam trabalho em altura precisam passar por verificações periódicas, quando esse processo falha, os acidentes ocorrem.
- Pressão por produtividade ou prazos curtos: Em muitas atividades laborais, mesmo de alto risco, ocorre uma pressão implícita para acelerar o trabalho, o que muitas vezes leva a burla de etapas de segurança.
Foco técnico: NR 35 e trabalho em altura
A norma NR 35, “Trabalho em Altura”, define trabalho em altura como qualquer atividade executada acima de 2,00 m do nível inferior, onde haja risco de queda. A norma prevê os requisitos mínimos para esse tipo de serviço, incluindo:
- Planejamento, organização, execução e supervisão das atividades;
- Capacitação e treinamento dos trabalhadores envolvidos;
- Uso de sistemas de proteção contra quedas (EPI, ancoragens, sistemas de retenção e de contenção);
- Inspeção periódica de equipamentos e estrutura.

A falta de observância dessas etapas eleva significativamente o risco de quedas e de acidentes graves, reforçando a importância de manter a prevenção como prioridade em todas as atividades realizadas em altura.
Cultura de prevenção: visão e ação
Para que a prevenção de acidentes de trabalho seja efetiva, a organização precisa desenvolver uma cultura de segurança que vá além da conformidade normativa. Essa cultura tem duas partes: visão, entender por que a segurança é vital e como se integra ao negócio, e ação, implementar, monitorar e corrigir práticas de trabalho seguro.
Visão
- A segurança não é um custo, é investimento em pessoas, reputação, sustentabilidade da operação.
- Toda atividade de risco deve ser vista como vulnerabilidade e tratada com excelência.
- A comunicação clara, a liderança comprometida e o envolvimento dos colaboradores são pilares fundamentais.
Ação
- Realizar avaliação detalhada de riscos antes de qualquer trabalho em altura ou ambiente de risco.
- Garantir capacitação e reciclagem periódica dos trabalhadores conforme NR 35, inclusive com simuladores, práticas reais e auditorias.
- Utilizar e manter em dia os equipamentos de proteção, sistemas de ancoragem, linhas de vida, etc.
- Manter vigilância contínua das condições ambientais e estruturais, inclusive sistemas de ancoragem, cordas, cabos de aço e outros.
- Investigar ocorrências, quase-acidentes ou desvios de procedimento, para aprendizagem contínua.
- Engajar o colaborador: promover sensibilização, treinamentos práticos e exercícios de cultura preventiva.
Boas práticas para evitar acidentes
Para empresas, gestores e profissionais de SST (Segurança e Saúde no Trabalho), seguem-se boas práticas fundamentais:
- Mapeamento de risco completo: inclusive efeitos “cadeia de falhas” (Ex. a corda rompe, então o trabalhador fica pendurado, depois cai).
- Capacitação contínua e prática: não basta assistir aula teórica; simulações reais de trabalho em altura ajudam a internalizar os riscos.
- Equipamentos adequados e mantidos: linha de vida fixa ou móvel , cinto de segurança, talabarte com absorvedor de energia, EPI certificado.
- Inspeções regulares de estrutura e sistema: sistemas de ancoragem, plataformas de trabalho, e outros.
- Supervisão ativa no local: liderança presente, comunicação de risco, checklist diário.
- Investigação de quase-acidente: quando há situação de risco que não resultou em acidente, usá-la como aprendizagem.
- Engajamento dos trabalhadores: eles são parte da prevenção: uso correto de EPI, seguir procedimento, reportar risco, paralisar trabalho inseguro.
- Cultura de segurança sólida: reuniões, comunicação, prompt de risco, orgulho de trabalhar seguro.
- Gestão da segurança integrada ao negócio: a alta direção deve apoiar, garantir orçamento, ver a SST como parte da estratégia.
- Uso de indicadores e metas: taxa de acidentes, quase-acidentes, número de horas de treinamento, etc.
Métricas e metas para prevenção de acidentes de trabalho
Para que a iniciativa de prevenção de acidentes de trabalho tenha real impacto, é importante definir metas, monitorar indicadores e promover melhoria contínua. Exemplos de métricas:
- Redução anual da taxa de acidentes com afastamento.
- Número de horas/homem de trabalho em altura sem incidentes.
- Taxa de cumprimento dos requisitos da NR 35 (treinamento, ancoragem, inspeção).
- Número de quase-acidentes reportados.
- Horas de treinamento em simulador por colaborador.
- Percentual de equipamentos de proteção com inspeção dentro do prazo.
- Índice de engajamento/satisfação em cultura de segurança entre colaboradores.
Esses indicadores ajudam a quantificar o progresso e demonstrar que a prevenção de acidentes de trabalho é tratada como prioridade.
Refletindo…
A prevenção de acidentes de trabalho é possível, prática e beneficia a todos: trabalhador, família, empresa, sociedade.
Quando uma empresa trata a segurança como parte integrante do seu negócio, respeita a NR 35, mantém treinamentos atualizados, exige uso correto de EPI, investiga riscos, promove cultura de segurança, ela não apenas evita tragédias, mas fortalece sua reputação, reduz custos (afastamentos, processos, multas), motiva sua equipe e protege o valor humano.
Este artigo não é apenas um alerta: é um chamado à ação. Que cada gestor, técnico, colaborador e direção leia estes números, estes casos, estas falhas e diga: “Não vai acontecer conosco”. Porque quando o cuidado é profundo, organizado e sistemático, a prevenção de acidentes de trabalho deixa de ser uma meta abstrata e vira uma realidade constante.
Prevenção de acidentes de trabalho é responsabilidade de todos.




